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LG/Saco AZUL/13

EM BREVE: os editados em 2014

Editados no Jornal SAVANA/2013

Saco Azul (coluna do Savana)

Por: Luís Guevane

 

2013: um ano que finalmente terminou

O ano de 2013, que praticamente está no fim, pode ter produzido uma série de aspectos positivos circunscritos àquilo que são as actividades de pequenas colectividades ou em termos individuais, entretanto, para o povo moçambicano, no seu todo, foi um ano péssimo em termos político-militares e sociais. O povo não foi ouvido. A comunicação social foi manietada no sentido de o cidadão não poder acompanhar a real situação do conflito político-militar em que o culpado é arranjado, legitimado e socializado.

De Abril (quando a Renamo solicitou o diálogo com o Governo) até Dezembro não houve capacidade interna para, entre moçambicanos, resolvermos as nossas diferenças. Os pequenos ganhos políticos obtidos do diálogo entre os dois “contendores” tiveram, claramente, como “elemento absorvente” o reinício da guerra em Moçambique. Quanto mais a imprensa dita tendenciosa culpabilizava a Renamo mais os moçambicanos pediam ao Governo para que acabasse/resolvesse o problema. Muita suspeição popular cresceu relativamente a essa culpabilização; revelou que cria algum cansaço psicológico estar sempre a dar ouvidos a quem manipula a imprensa com esta e aquela inverdade para não dar o doce ao seu povo. O doce da paz. Era como se tivessem identificado o verdadeiro culpado e a morada da solução.

Sobre a região centro de Moçambique muito se conta. As peripécias militares dos supostos homens da Renamo continuam a criar bastante desconforto às forças governamentais gerando abandono/deserção das fileiras por parte destes últimos. São realidades ainda não ficcionadas. Mortes não contabilizadas. Hoje a conversa é “um tiro um homem”. Que descalabro! Tudo isto teria sido atempadamente evitado. Esta não tem sido a melhor forma de desmilitarizá-los para criar um exército único. É possível enveredar por outros rodopios. Mais seguros.

Se o executivo moçambicano considera que a paridade na composição dos órgãos eleitorais não é problema, tomando em conta os resultados das últimas eleições autárquicas, então, deve avançar no sentido de “refrescar” esta exigência da Renamo. A paridade na Comissão Nacional de Eleições e no Secretariado Técnico de Administração Eleitoral não pode continuar a produzir luta e mortes entre os moçambicanos. Há inteligência suficiente para política e tecnicamente acomodar este ponto tomando em conta o “factor profissionalização” desses órgãos.

Cá entre nós: a imprensa pública deve retomar o seu papel de informar com isenção e imparcialidade sob pena de a manutenção da sua actual linha provocar lenta e seguramente um efeito perverso. Diz-se e repete-se por tudo quanto é canto que o povo moçambicano mudou, já “não é aquele”. Estas mudanças não foram acompanhadas e/ou não se operaram no grande sector conservador que rodopia em torno de si próprio. Este desfasamento pode estar na origem da produção profícua de impasses. A todos os meus leitores festas felizes e um PRÓSPERO 2014.


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Mandela: o ícone

Vale a pena pegar no exemplo de Mandela, sobretudo o seu legado, e inspirarmo-nos nele. África e o Mundo e, particularmente Moçambique, têm essa obrigação.

Mandela emergiu politicamente e tornou-se o ícone da luta anti-apartheid. Uma vez no poder não se vingou e nem escorraçou selvaticamente aos que contra ele lutavam. O exemplo tinha que vir mesmo de cima para que o impacto desejado fosse alcançado ao nível do povo sul-africano. Antigos rivais passaram a conviver com ele, integrando importantes parcelas do poder, o que se constituiu num dos momentos mais extraordinários e inspiradores da “era Mandela”. Um dos momentos de ensinamento e de aprendizagem.

Ensinamento na medida em que esta rara atitude de integração do “outro”, do suspeito, do “inimigo”, não tem sido prática comum entre os governantes africanos. O “outro”, no nosso caso, pode até ser um indivíduo de reconhecido mérito mas, pelo facto de ser “outro”, logo, é rotulado com “não é nosso!”. Quando há alguma dúvida ainda se pergunta em surdina “de que lado é que ele está?” É possível, afinal, conviver na diferença étnica, política, racial, religiosa, etc., colocando paulatinamente de lado os estereótipos historicamente construídos e socialmente vivenciados. E, claro está, em simultâneo, foi ocorrendo o momento de aprendizagem para Mandela e sua equipa, para África e o Mundo. Uma aprendizagem ainda não claramente assimilada e, por conveniência, rejeitada por certos líderes africanos que se recusam a contar quanto tempo Mandela ocupou a cadeira do poder.

Este legado de Mandela dá-lhe o mérito de ser considerado génio. Isto não significa que os que assim o considerem estejam interessados em alguma vez experimentar uma governação inclusiva, de convivência em ambiente de diversidade, de exibição de maturidade política em prol do desenvolvimento nas suas múltiplas vertentes. É claro que têm as suas próprias opções ainda que estas demorem a surtir efeitos positivos visíveis.

O que faz sentido na vida política, social, cultural, não têm que ser única e exclusivamente as nossas crenças. Quando só as nossas crenças fazem sentido reduzimos o nosso campo de acção e de convivência; a intolerância política, racial, religiosa, etc., cega-nos até não percebermos que fomos tomados pela escuridão. E é aqui onde rodopiamos descontroladamente. Nada cura essa cegueira. É aqui onde é preciso analisar e procurar entender as motivações que catapultaram Mandela para o patamar mundial onde hoje se encontra, para percebermos o sentido da tolerância e do poder… a cura.

Cá entre nós: ainda que o legado político de Mandela seja admirável e um claro ensinamento sobretudo aos governantes africanos é preciso perceber que o legado económico precisa de ser permanente melhorado dado as características que lhe são inerentes. Aos governantes africanos que não querem e não podem abandonar a cadeira do poder para não serem tomados pela comichão que ela provoca, é tempo de homenagear Mandela seguindo o seu exemplo.

 

 


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Que paz nos une ou divide?

Está mesmo difícil fechar o ciclo de impasses produzidos pelas partes que se dizem interessadas no diálogo político tendente a resolver os “pendentes” conhecidos. A avaliar pela postura do governo em não aceitar mediadores/observadores internacionais ou aliviar militarmente as zonas sob tensão, mais impasses estarão, provavelmente, calendarizados. O espectáculo promete um “braço de ferro” mais rubro, se calhar mais negativo, a não ser que as partes chamem a si um novo nível de inteligência e pro-actividade.

Ainda é possível reescrever o próximo acto para que o teatro não seja tão repetitivo em termos de cenários de confronto político-militar, cadáveres em camiões, guerrilha aqui e acolá e, na capital, para amainar o pesado drama, em si já assustador, um cenário permanente de poeira civilizada aos olhos do povo (os maiores interessados num desfecho que produza paz), isto é, cada uma das partes chama a si a seriedade e o comprometimento em dialogar com a outra parte, ficando cada vez mais claro que é só “para inglês ver”. É preciso alterar este quadro.

Nos últimos tempos tem-se procurado a todo o custo uma saída airosa que “rectifique” e melhore a paz dos 21 anos. O pressuposto de que deve ser garantida a segurança em todo o território nacional é valido e permanente. Entretanto, afigura-se bastante manhoso. É que este pressuposto só nos últimos tempos ganhou musculatura, tentando abraçar e testar o falacioso ditame que defende que se deve “fazer a guerra para acabar com a guerra”. Mas, o povo tem-se expressado claramente contra guerra. Os eleitores não a querem!

Há muito que se roga de viva voz que a solução militar seja substituída urgentemente pela via do diálogo aberto e profícuo. É preciso, por vezes, “meter a mão na consciência” e relembrar o “Nó-Górdio”. Em que situação é que se estava naquele momento de luta? E hoje, com os nossos “nós” em que posição estamos? Quem deve ser combatido e quem deve resistir? Que paz é esta que nos obriga ao diálogo? Que paz nós queremos com a guerra?

Queremos uma paz que traduza o desejo de uma segurança e um exército forte e apartidário. Uma paz que devolva ao Estado o seu verdadeiro papel como tal. Uma paz que profissionalize e garanta profissionalismo e, logo, isenção, imparcialidade, etc., em órgãos importantes como, por exemplo, a Comissão Nacional de Eleições e seu secretariado técnico de administração eleitoral, para que não se discutam abstenções como resultado de descrédito e desconfiança mas como produto de uma razão qualquer. Enfim, queremos uma paz em que todos sejamos, de facto, moçambicanos e nos respeitemos como tal.

Cá entre nós: uma paz que se encaixe neste Moçambique “uno e indivisível” não deve ser construído com a força das armas, mas sim na base de um entendimento entre moçambicanos para que continuemos a cantar “nenhum tirano nos irá escravizar”. É preciso desfazer os nós que nos impedem de dialogar com o espírito aberto e livre.

 

 


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Aceitar “outros olhos”.

Já se vislumbra alguma lufada de ar fresco na procura de entendimento por via do “diálogo” entre a Renamo e o Governo (Frelimo) com a abertura deste último à presença de observadores nacionais. Ultrapassa o campo das possibilidades e passa mesmo a ser algo em que se acredita que, de facto, acontecerá.

Não interessa muito analisar por que razão o Governo terá optado por esta alternativa positiva, se foi forçado pela “situação” ou não, se foi pressionado por uma provável “mão externa” ou não, não interessa, a verdade é que este passo real, de vontade e coragem política, é uma demonstração, de que o processo de “diálogo” poderá vir a ser retomado.

A preocupação de retomada do “diálogo” continua, entretanto, refém da exigência da Renamo sobre a presença de “mediadores nacionais e internacionais”. Sobre a aceitação de mediadores nacionais o problema está praticamente resolvido. É sustentado pelo seguinte: “Como Governo, até admitimos a possibilidade de podermos contar com a presença de observadores nacionais”. Esse “até admitimos…” deve (ou pode) ser entendido como expressão de moçambicanidade e não como uma explosão momentânea de exaltação de arrogância da classe “X” para com a “Y” ou simplesmente de desprezo. Vê arrogância quem procurar isso nessa fotografia. É um “até admitimos…” que é algo pacífico e mobilizador. Algo próprio de quem está em posição de o fazer exibindo o carinho a que está habituado a oferecer.

Agora, sobre a presença de observadores internacionais, que como vimos é também uma das exigências da Renamo, o “Governo” avançou com o seguinte: “Não queremos estrangeiros a resolverem assuntos domésticos que nós próprios podemos decidir”. Significa que estes, ao contrário dos primeiros, estão, sem sombra de dúvidas, severamente descartados.

Esta rejeição da presença que a Renamo julga como “fundamental e indispensável” (de mediadores internacionais) para que o “diálogo” seja retomado, está à partida, a sugerir fortemente para que a retomada do “diálogo” não ocorra tão já. Ensombra as expectativas gerais. Não precisamos de buscar, lá longe, exemplos que nos aconselham para a necessidade de observadores internacionais. Os estrangeiros não virão resolver os nossos problemas domésticos, de modo algum! A nossa história recente é em si um bom exemplo, sobretudo em termos de dependência externa nos campos político-militar, tecnológico, educacional, financiamento do OGE, etc. Se os principais envolvidos, ainda que moçambicanos, não conseguem alterar nem o quadro político-militar e nem a sua moldura, então, terão que se convencer que “outros olhos” são necessários para lhes ajudar a “ver melhor”. O importante é discutir os “termos de referência” destes “outros olhos” (observadores ou mediadores) para que, no fim, não se termine o “diálogo”.

Cá entre nós: começa a ficar muito suspeito quando repetitivamente e de forma reiterada buzina-se ao mundo que temos capacidade interna para resolvermos os nossos “problemas domésticos”. Entretanto, tentamos e nada! O mundo é uma aldeia global onde nos inserimos. Em que parte do mundo é que não são necessários mediadores internacionais? Se por esta via as possibilidades de resolução dos nossos problemas se fortalecerem, então, por que não trilhar por este caminho? O contrário também é válido.

 

 


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Guebuza-Dhlakama: um encontro ainda necessário.

Se, por um lado, o repetido anúncio do encontro solicitado pelo Presidente da República através do seu porta-voz e conselheiro, agendado para o passado dia oito de Novembro, criou alguma expectativa em alguns moçambicanos preocupados com a efectivação desse frente-a-frente Guebuza-Dhlakama, por outro, uma parcela significativa de cidadãos, ainda que interessados no cumprimento pleno do tal anúncio, pouco acreditou na integral vontade do uso dos referidos “canais apropriados”.

Os acontecimentos político-militares anteriores e posteriores a essa data mostraram claramente que não havia ambiente e nem condições apropriadas para o frente-a-frente “exigido” pelos moçambicanos amantes da paz e democracia multipartidária. Tanto mais que o convite formal chegou à “entidade convidada” dias após a data acima referida. Pior que esta extemporaneidade, nem se localizou o principal visado para esse encontro.

A solicitação do encontro pode ter produzido aos olhos do mundo uma forte percepção de vontade em fazer valer que a única alternativa à paz é a própria paz. Infelizmente, esta alternativa não seguiu o caminho “exigido”. Não houve encontro algum. E, aparentemente, esteve tudo “tão à vista” que o alarido criado na imprensa bitolou-se na justa medida do fracasso. Foi um “convidei e não apareceu” sem o respectivo impacto desejado. Tudo aconteceu como se este resultado fosse tão previsível e não fosse considerado notícia.

Os dois continuaram e continuam a cumprir com a máxima que diz que a melhor defesa é o ataque. O capim sujeita-se ao impacto deste “frente-a-frente”. Os beligerantes demonstram claramente que na sua “memória de elefante” não cabe o mesmo conceito de paz que os seus concidadãos têm. Como entendem a paz todos aqueles que abraçaram a vida militar enquanto jovens, lá se fizeram homens e, hoje, vão envelhecendo contando as suas peripécias e dando lições de bravura aos mais jovens? …Diga-se: lições de paz.

O efeito da paz, em 21 anos, não conseguiu sobrepor-se à vontade de se lhe acrescentar o confronto político-militar como seu condimento. Uma paz de consistência duvidosa e dependente de algumas vontades! Um condimento que produz lágrimas e tristeza por parte de quem perde, directamente, nesse confronto, o(s) seu(s)  ente(s)  querido(s). Os ódios gerados, também por esse condimento, vão ganhando forma na imprensa, vão dividindo os cidadãos que há pouco tempo julgavam que sabiam conviver num ambiente multipartidário e multi-étnico onde a censura não os privava de acompanhar a realidade do seu país.

Cá entre nós: a censura está a crescer (a olhos vistos). Os jornalistas estão a “perder voz”. Vive-se num profissionalismo condicionado. Quem os amordaça, se são profissionais? A censura controla a democracia ou o contrário? Os níveis de censura na imprensa são um bom indicador de paz ou de guerra. Por tudo isso e muito mais, a “exigência” do encontro Guebuza-Dhlakama continua como a mais forte vontade popular a cada dia e hora em que se dispara mais um tiro gerado pela dilatação (propositada ou não) do confronto político-militar. É possível cumprir esta “exigência” mesmo depois de desactivar (só hoje?) os supostos esconderijos de armamento em casa do pai de Dhlakama. A ver vamos.

 


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Democracia em construção.

Uma Nota Pastoral do ano transacto, dos Bispos Católicos, intitulada Construir a Democracia para preservar a Paz, à propósito dos 20 anos de Paz, abordava, entre outros aspectos, os benefícios conseguidos com a assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP). Benefícios em termos de reconciliação, de visível vivacidade da economia e da sociedade, de liberdade de expressão nos meios de comunicação social, de melhoramento das relações entre o Estado e as religiões, do livre associativismo, independente do poder político ou dos partidos.

Recordei-me desta Nota Pastoral pelo facto de os acontecimentos actuais poderem produzir um efeito contrário aos objectivos mais nobres do AGP. Uma Nota Pastoral que, como os “escritos” de muitos moçambicanos, procura engrandecer e/ou alertar para a necessidade de se privilegiar o diálogo sincero, aberto e honesto.

Até hoje não temos diálogo. Entretanto, tem ocorrido um diálogo onde as vírgulas e os pontos são produzidos por tiros, deixando claro qual o tipo de diálogo que um pequeno grupo defende, avantajado pela posição que ocupa na pirâmide político-social. O diálogo de tiros, diálogo racista e étnico (tribal), diálogo de surdos, diálogo repartido de ódios, diálogo de coisificação do outro, …todos eles contribuem fortemente para que se fragilize a nossa jovem democracia em construção. Fragilizando-a adiamos a Paz (nas suas múltiplas vertentes), ainda que contra a nossa vontade.

A Nota Pastoral a que me venho referindo chamava à atenção ou à reflexão para o seguinte: Se continuar a prevalecer a tendência da absolutização dos partidos políticos e o culto da personalidade dos próprios dirigentes, não será garantida a paz em Moçambique. Nenhum partido nem mesmo os seus líderes têm atributos divinos. (…) A idolatria dos partidos e o culto da personalidade são graves impedimentos para o crescimento na liberdade e a elaboração de críticas construtivas. Quando isso acontece, aqueles que procuram apresentar críticas construtivas, se estas não são bem-vindas, são vistos como persona non grata, como “não sendo dos nossos”, sofrendo, por isso mesmo, humilhações e represálias. Este constrangimento gera conformismo acrítico e antidemocrático.

O “lambebotismo”, criticado por muitos, pode ter no culto da personalidade uma das suas fortes razões. Um culto que até pode gerar alguma percepção falsa de “lamebostismo” devido aos constrangimentos gerados pelos conformismos que o caracterizam. Em África, ao que parece, quanto mais o dirigente máximo for idolatrado pelos seus, mais poder real ele julga ter. O culto da personalidade encontra ai espaço fértil para se afirmar. Quando começa a ocorrer o contrário significa, obviamente, que o poder está a esvair-se. Será isto verdade em pleno século XXI?

Cá entre nós: a absolutização dos partidos políticos, sobretudo os mais representativos, tornou-se numa realidade. Esta fortalece-se na justa medida da fragilização da democracia alargando o campo para a ausência da Paz. É algo evitável por quem se percebe como estando na posição de promover a democracia para garantir ou preservar a Paz. Todos queremos crescer livres e em liberdade num ambiente democrático que promova e preserve crescentemente a Paz.

 


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Primeiro de Maio: que reflexões? (1)

Quando chega o Primeiro de Maio os trabalhadores manifestam-se, empunhando cartazes, cantando e, praticamente, festejando. Todos eles desfilam para um local onde se concentram para ouvir uma série de discursos. Estes, de há alguns anos a esta parte, têm transparecido alguma autonomia ou uma certa independência da OTM-Central sindical relativamente ao partido no poder. Mesmo assim, têm sido discursos tendentes a mostrar uma forte preocupação em fazer eco àquilo que o governo vai dizendo. Nota-se alguma dificuldade de autodefinição por parte da “Central”. É como se percebessem que só ficarão bem na fotografia se continuarem a sorrir para o fotógrafo. Os discursos refletem a inércia desse sorriso.

Pode até ser perceptível a atitude da “Central” se analisarmos a história do seu surgimento bem como a tendência partidária dos seus membros séniores, mas já não é altura dela continuar a agir como se ignorasse os benefícios da democracia pluripartidária.

É tentador, para qualquer governo, ter algum controlo sobre os sindicatos dos trabalhadores (R. Mugabe que o diga e que não se lamente). Para o fazer, infiltra os seus elementos. Num país como o nosso, caracterizado por uma elevada taxa de desemprego e subemprego, a acção da “Central”, por inerência da realidade (de um modo geral), deveria ser muito mais visível em termos interventivos no sentido de defender os interesses dos trabalhadores. Não se vão queixar que os meios de comunicação de massas não divulgam as suas actividades pois, estas devem merecer o seu lugar como notícia. Se não for o caso, então, não haverá divulgação alguma.

Para defender os interesses dos trabalhadores não basta vontade. É imperioso (mas não infalível) que haja uma forte base financeira a sustentar o movimento como um todo. Essa base provem maioritariamente da contribuição dos seus membros.

Algumas das muitas perguntas podem aqui ser arroladas. Será que nos vários sindicatos existentes os membros pagam as suas quotas? Eles precisam de estar inscritos como membros ou isso não conta? E se não conta, como a “Central” equaciona a questão da sua sobrevivência na esteira sindical? Será que os trabalhadores têm consciência da importância de ser membro (inscrito) no seu sindicato? E uma vez membro, pagam regularmente as quotas? Como estão estruturados os nossos sindicatos? Como sobrevivem financeiramente? Será que os vários sindicatos de trabalhadores já se libertaram dos resquícios do monopartidarismo? Ou estão já a beneficiar-se das vantagens da democracia pluripartidária?

O que nos traz como novidade o Primeiro de Maio do corrente ano? 

 


 

 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Fumo Negro. Fumo Branco!

Na escolha do Papa, em Conclave, os Cardeais Eleitores produzem uma fumaça negra anunciando, por assim dizer, que ainda não foram iluminados ou inspirados pelo Espírito Santo. Uma vez encontrada a chave que lhes dá acesso a essa iluminação espiritual chegam ao escrutínio concludente. Assim, do fumo negro passa-se, finalmente, ao branco. Novo Sumo Pontífice está destinado a enfrentar as realidades do seu Mundo. Realidades espirituais, materiais, entre outras.

Ovaciona-se o novo Papa. Festeja-se. É engrandecida a fé católica. Esquecem-se, por momentos, os vários problemas que abalam a Igreja Católica. Pouco tempo depois  o novo Papa perceberá, aliás, re-confirmará que muitos fumos negros abundam pelo mundo. Fumos esses que constituem a dura realidade da humanidade.

Qual a contribuição da parte espiritual para que se transformem fumos negros em fumos brancos ou saudáveis? Visitas papais pelo mundo? O que é que tais visitas papais têm mudado (nos locais onde elas ocorrem) para além de fortalecerem a fé católica e espiritual geral e elevar, provavelmente, o número de fiéis?

Interessa bastante que a química de relações entre o novo Papa e o continente africano consiga contribuir na produção crescentemente de fumo branco no continente africano. Paz! Um fumo que substitua o fumo negro produzido pelas armas de guerra que assolam África e enevoam o seu desenvolvimento; que elimine ou reduza o fumo negro que há muito se acercou dos corruptos fiéis a si próprios, dos governantes que não conseguem perceber que colocam permanentemente na incerteza os seus países por optarem pelo reforço da sua qualidade de incompetentes assumidos.

Interessa uma química de relações que ilumine com o seu fumo branco e saudável a mente de quem assumiu o poder e jurou servir e não servir-se dos seus compatriotas; que enfrente e vença, como resultado da Oração, a pobreza material e espiritual daqueles que disso padecem. Uma química que produza fumo branco que signifique tolerância política, religiosa, racial, étnica, etc., no mundo e no continente africano, especialmente em Moçambique.

Cá entre nós: O novo Papa terá que trazer algo de novo e claramente positivo para África e, particularmente, para Moçambique.  A Oração é um caminho mas, a realização prática e material pode ser a luz para uma nova Oração reconfortante. Que os intelectuais e os bons pastores da Católica criem uma nova imagem no Mundo, apagando os vários escândalos e desavenças que a perseguem, para que reconquistem o devido estatuto moralizador e inspirador de mudança para o melhor. 


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

185º lugar: uma questão de posição..., de inércia.

O estudo que posicionou Moçambique entre os piores do mundo em termos de índice de desenvolvimento humano foi levado a cabo antes das cheias de 2013. Nos momentos que correm a preocupação maior está em mitigar os impactos decorrentes desse fenómeno natural. As condições de vida dos reassentados não são as ideais. Os relatos confirmam isso. Há gravíssimos problemas de alimentação, acomodação, circulação; muita incerteza relativamente ao futuro das famílias; autoridades (in)competentes a desviar uma série de bens resultantes da solidariedade colectiva; infra-estruturas vitais por recuperar, entre outros aspectos.

O estudo foi realizado antes do apagão que afectou a região sul do País, cujo impacto negativo sócio-económico e financeiro, por razões óbvias, incidiu mais sobre a capital do País. Este dado impírico, ainda que careça de estudo, não está longe de ser verdade. Um apagão cujas origens não foram ainda claramente esclarecidas. Pelo comportamento da corrente eléctrica, tudo indica que o problema está num processo de solução cujo compasso pouco se pode questionar.

Os estudos que produziram o relatório foram realizados antes do rombo financeiro descoberto no MINED (Ministério da Educação), há pouco tempo, e até mesmo antes das agressões que vitimaram física e psicologicamente os desmobilizados de guerra ou da tentativa de greve na Polícia.

Dos 187 países analisados pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) Moçambique encontra-se em 185º lugar, nesse Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) publicado no corrente ano. O discurso político nacional, apelando à luta contra a pobreza absoluta, não está a surtir efeitos visíveis que contrariem o facto de Moçambique estar entre os quatro países africanos com maior taxa de incidência de pobreza.

Pelo Relatório, a pontuação de Moçambique subiu 2% ao ano desde 2000 e, na ponta da cauda, supera o Níger e a República Democrática do Congo. Entre os péssimos não estamos mal. Significa que houve uma considerável recuperação económica no período pós-cheias 2000. Entretanto, tal recuperação não catapultou o País para níveis cada vez mais elevados. É que nessa marcha do desenvolvimento cada um dos países ambiciona fortemente melhorar a sua posição no ranking mundial. Não morrem de amores pelos discursos políticos e nem se acomodam neles, partem para acções visíveis. O discurso político tem que ser traduzido em desenvolviemnto. Por que razão, nos relatórios (RDH) do PNUD a posição de Moçambique sempre teve uma oscilação mínima e praticamente insignificante no fundo da classificação?

Cá entre nós: todos os fenómenos naturais e sócio-políticos, que aqui aparecem simplesmente como alguns exemplos da nossa realidade, terão que ser seriamente ponderados sob risco de afectarem a posição de Moçambique no próximo relatório. Ademais, as corridas eleitorais que se avizinham, o desfazamento entre o discurso político e o grau de implementação, as realizações, a politicomania, as politiquices, o fingimento ou a negação de que estamos numa economia de mercado, entre outros aspectos, terão que ser repensados.

 


 

 

Saco Azul

Por: Luís Guevane.

 

Patrões made in Mozambique.

Numa simples e rápida estatística empírica podemos perceber que, nos vários sectores económicos de média e grande visibilidade, os proprietários são maioritariamente estrangeiros ou moçambicanos de origem fortemente estrangeira (incluem-se aqui os de nacionalidade adquirida). Esta realidade tem uma outra face da moeda. É que, os de baixa e inferior visibilidade económica são dominados maioritariamente por moçambicanos de origem.

Em suma, a economia moçambicana (no seu circuito superior) é dominada maioritariamente por uma minoria não moçambicana. É ela que, por força de circunstâncias próprias e de oportunidades abraçadas no seu percurso de vida empresarial, imprime maior vivacidade ao dinamismo económico nacional.

Nessa sequência, pode-se perceber que em Moçambique há muitos patrões. Destes, a esmagadora maioria é composta claramente por moçambicanos. Os patrões estrangeiros são muito poucos (ainda que tenham grande visibilidade empresarial). Então, o que é que poderá estar em causa? Obviamente, a qualidade de patrões.

Há patrões, e muitos mesmo, no sector informal da nossa economia, que têm os seus empregados e apostam numa economia de sobrevivência (ou mesmo de subsistência). São fustigados, no local onde têm os seus patrões, pelos salários que não satisfazem as suas ambições. São patrões que também são empregados. Quando chega a altura de pagar o salário tornam-se nervosamente violentos e dão lições gratuitas de economia aos seus empregados, no intuito de adiar o inadiável. Só depois de pagar aos seus empregados é que estes voltam a chamá-los de patrão.

Patrões há, no circuito superior da nossa economia, no aparelho estatal, nas congregações religiosas, etc., que mais não são do que simples colaboradores de uma determinada organização. Assim são designados pelo comportamento que exibem. Assumem-se como donos ou patrões quando, na realidade, são colegas dos seus subordinados ou colaboradores directos.

Para a peça não ficar incompleta, há muitos patrões nos diversos partidos políticos moçambicanos. Do topo à base todos eles se assumem como patrões ou como empregados, dependendo do momento em que têm a oportunidade ou não de se exibirem como “chefes”. E é claro que há os ditos “chefes” que não são patrões nem dentro e nem fora do seu partido. Entretanto, a verdade é que há “chefes” que são patrões dentro e fora do seu partido. Os seus colaboradores, no partido político, comportam-se cegamente como empregados. E, o patrão político, desejoso do seu permanente endeusamento, olha para eles, de cima para baixo, e sem abrir a boca diz: Cabrões! É que, provavelmente, causa algum cansaço estar sempre a ser escovado!

Cá entre nós  : ainda temos muito por fazer para termos verdadeiros patrões made in Mozambique. A aposta nos empreendedores é um caminho. Mas, é importante ponderar a crítica social que defende que o importante, para combater a pobreza, não é oferecer dinheiro ao povo mas sim, utilizar esse mesmo dinheiro e direccioná-lo na construção de infra-estruturas de transporte, entre outras, para dinamizar, por exemplo, a agricultura e promover o empresariado nacional.

 


 

 

Saco Azul

 

Por: Luís Guevane.

 

Comemorando o 7 de Abril.

 

A data, politizada como foi (por inerência da História “recente”), tem parecido mais pertença de um partido político quando “devia ser” de todos e de todas as mulheres independentemente das suas convicções políticas e até religiosas.

 

A abertura ao multipartidarismo teve sempre o seu ângulo timidamente aberto à nova ordem política nacional. Manteve o olhar e o pensar monopartidário em ambiente pluripartidário tal e qual o guerrilheiro que muda de armas mas não altera o carácter que, à partida, o define. As comemorações do sete de Abril precisam de mudar de carácter independentemente dos custos que isso acarreta. A mudança é extremamente lenta, mas está a operar-se quotidianamente.

 

Há mulheres que, nos últimos tempos, se têm revelado na vida política, académica, cultural e desportiva, por mérito próprio; nada devem a este ou aquele partido. Mérito! São heroínas que se produziram a sí próprias sem bengalas político-partidárias. Heroínas no conceito do povo que dá poder. Mesmo aquelas que tiveram um berço político-partidário e se revelaram na sequência da sua própria natureza político-empreendedora não têm que se assumir como devedoras de tais berços. Estes não fizeram mais do que a sua obrigação e, por isso, nada têm a exigir em troca. Ninguém lhes obriga a continuarem filiadas a um partido com o qual já romperam laços ideológicos. Ninguém lhes obriga a permanecerem fiéis aos mesmos quando já nada os une. É uma questão de flexibilidade resultante de maturidade política individual.

 

É, deveras interessante perceber que a mulher moçambicana tem liberdade de opção política. O entrave à essa mesma liberdade pode ser ela própria se olharmos para a sombra produzida pela cultura que condiciona a essa flexibilidade.

 

Quando a sombra cultural é maior que a luz, então, significa que a cultura precisa de mais luz, mais esclarecimento, precisa de se emancipar num ambiente multipartidário… A percepção do aumento dessa luz acontecerá paralelamente ao facto de, por exemplo, o eleitorado feminino em Moçambique perceber claramente que, à boca das urnas, tem um poder imensurável; que o que deve estar em causa não tem que ser necessariamente os benefícios ou os ganhos partidários mas sim as realizações e mudanças culturais e económicas visíveis produzidas pelo partido em que ela milita. O aumento dessa tal luz significa, no fundo, desenvolvimento inclusivo, onde as quotas não têm que ser critério de distribuição de posições cimeiras e nem de acumulação de riqueza. O mérito, sim. Nesse sentido, a equidade não pode ser e nem é palavra morta. Relativizam-na todos aqueles que por essa via colhem os devidos benefícios. Equidade é quando batemos com o pé no chão acompanhando a música que nos leva a isso. O outro pé bate por indução (se isso acontecer) e nem o cerébro se apercebe.

 

Cá entre nós: o sete de Abril tem que deixar de ser dia da mulher moçambicana, isto é, tem que passar a ser, de facto, dia da mulher moçambicana. Dia de todas elas independentemente da sua orientação política, crença religiosa, nível de riqueza, “raça”, etc.  Uma flor, uma rosa para toda a mulher moçambicana incluindo aquela que está em Moçambique!

 


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Sobre o processo de criação de autonomia dos sindicatos.

A recente postura da ONP relativamente ao “caso Leopoldo”, podemos assim designar, reabriu a antiga discussão, feita quase em surdina durante muito tempo, sobre a independência dos sindicatos na República de Moçambique; independência, considerando a sua génese e o seu percurso histórico. Evoluíram  para o nível de “sindicato” mantendo fortes laços e uma extrema dependência umbilicalmente fresca e permanente com o governo do dia, aliás, com o partido no poder, ao longo do seu processo de existência e crescimento. Nunca passaram de uma extensão do poder, criada e configurada com um “caráter reevindicador”.

Várias razões, supostamente compreensíveis, estiveram por detrás desse mesmo processo que teve como pico alto todo o período monopartidário da nossa história. Alguns dirão: é historicamente compreensível. Outros: foi uma boa estratégia “comunista” de controlo das mentes, movimentos e tendências políticas. O movimento não era propriamente endógeno. Todos  se rotulavam operários e camponeses, engrenados no modismo da época, mas, na verdade, o objectivo almejado não era mais do que identificar-se com a causa dos verdadeiros operários e camponeses para controlá-los.

Passaram-se décadas. Porém, percebe-se que, sindicatos como a OTM, tal e qual a ONP, estão em processo de criação de autonomia, independência e equidistância relativamente à porosidade criada pela história recente do nosso País.

A distrinça entre o facto de ser membro do partido no poder e, em simultâneo, pertencer a um sindicato continua difícil para uns, fácil para alguns e, extremamente simples e clara, para uns tantos poucos. Não é fácil ser membro sénior de um sindicato (como os que foram referidos, e não só) e, em simultâneo, lutar pela melhoria das condições de trabalho, condições salariais, lutar contra a arrogância do patronato, a falta de humanização no trato laboral por parte de certas direcções, enfim, lutar pela observância do direitos dos trabalhadores. O confronto terá que ser, claramente, com um membro do seu próprio partido, aliás, terá que ser com um camarada do mesmo partido; e, isso cria desconforto. O factor “partidarização” é, por assim dizer, bastante esclarecedor.

Quer dizer: se esse membro sénior avança, nas suas atitudes e postura, como verdadeiro sindicalista, aplicando aquilo que resultou da sua formação nessa área, então, cria um verdadeiro mal-estar e um rótulo de “esse não é nosso”. Claro, se não quer enfrentar o seu “partido no poder” terá que optar pelo caminho do psedo-sindicalismo; aceitar a filosofia que contrói a figura de marionete. Terá que ser, enfim, um sindicalista que de um momento para outro fica “fora do jogo” sindical em troca de uma posição de ministro ou seja lá o que for.

A atitude da ONP com relação ao “caso Leopoldo” insere-se na lógica do processo de criação de autonomia; clarifica que é importante que um sindicato seja autónomo e independente relativamente ao poder, o que é saudável na composição do jogo democrático. A existência de um sindicato não é sinónimo de greve e nem de submissão aos ditames da veia oportunista do poder instituído. A equidistância dos membros dos sindicatos que em simultâneo pertencem ao partido no poder deve ser ou sugere-se que seja  honesta e inserida no jogo a que cada um decidiu participar, beneficiando e propiciando em primeiro lugar e na totalidade o alcance dos verdadeiros objectivos da existência de um sindicato.

Cá entre nós: o processo de criação de autonomia e independência dos sindicatos na República de Moçambique é, em si, paulatino e natural, e insere-se na máxima que diz que ninguém pára o vento com as mãos. Um dia serão sindicatos no verdadeiro sentido da palavra, com luz própria.

 


 

Saco Azul

 

Por: Luís Guevane

 

 

 

ONP: uma organização por reaparecer.

 

O risco de escrever ou ler algo relacionado com a Organização Nacional dos Professores (ONP) é praticamente fatal. Não há nada que constitua novidade. Nada atraente.  Nada que cative o cidadão a prestar atenção nela. Entretanto, com alguma coragem ou simplesmente força de vontade é possível ler ou escrever sobre ela. É possível descobrir alguma coisa ou um ponto interessante escondido algures, ou mesmo discutir o “O” de organização e o “D” de desorganização, refletindo na mudança da ONP.

 

Tal como outras organizações, a sua génese pode, à partida, explicar o seu actual estágio de letargia, ou, de visível inexistência no cenário activo nacional. O efeito da vacina monopartidária, que a fez gatinhar ao longo dos tempos da sua “real existência”, continua forte, aliás, para ser optimista, continua a ser sinónimo do actual estado de  inércia que se abateu sobre a dita organização.

 

Ela foi praticamente desmamada pelo sistema, no âmbito da dita democracia pluripartidária, e fez jus ao debate sobre o surgimento e continuidade de organizações criadas “de cima para baixo”. Perdeu-se naquilo que seria o seu “caminhar pelos seus próprios pés”. Exogenamente criada, hoje ela precisa de recriar-se endogenamente para que tenha, verdadeiramente, luz própria.

 

De nada vale que um ou outro membro diga que a sociedade e o governo conhecem “muito bem” os problemas do professor. Isso é revelador do comodismo instalado na classe. À partida, não aparecerá ninguém, nem da “sociedade civil” e nem do governo, a preocupar-se com a defesa dos direitos do professor. Tem que ser ele próprio, de forma organizada, a lutar pelos seus próprios direitos esgrimindo argumentos convincentes aos olhos de todos.

 

O comodismo da organização não resolverá o “salário de fome”, o problema habitacional do professor, o apagão da classe, a falta de coragem e o deficitário sentido de sacrifício na luta pelos seus direitos, e nem resolverá a sua falta de atitude perante aquilo que a preocupa. O discurso acobardado de que “eles sabem quais são os nossos problemas, só não querem resolver” faz com que a ONP seja secundarizada ou relegada a um plano inferior ou de esquecimento. Faz com que se comporte tal e qual a criança que não chora e, por risco próprio, ainda que inconsciente, não mame uma gota do leite disponível.

 

Imaginem, então, uma mãe com uma série de gémeos: mamará mais o que mais “chorar pelos seus direitos”. A mãe sabe que todos têm que mamar e há leite disponível para todos. A ONP espera pacientemente pelo leite exibindo o estágio da sua intelectualidade! Não percebe que já foi desmamada e que tem que se organizar urgente e rapidamente de modo a que os seus membros paguem quotas e respeitem os fundamentos da organização.

 

Cá entre nós: a ONP tem que se constituir, de facto, como uma organização no verdadeiro sentido da palavra. Não aparecerá ninguém externo à organização a mobilizar os professores para serem membros e cumprirem com as exigências da existência da mesma. O exacerbado comodismo e a tremenda inacção não devem continuar a constituir-se como bandeira principal da ONP. Como serão as comemorações do 12 de Outubro, neste ano, depois da postura da ONP no “caso Leopoldo”?

 

 


 

 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Despercebido passou o dia internacional da família.

A celebração do dia internacional da família, a 15 de Maio, tem passado despercebida entre os moçambicanos. Pouco conhecida e/ou divulgada entre nós, ainda que proclamada pelas Nações Unidas (NU) e celebrada como tal, pela primeira vez, em 1994, não conseguiu, por exemplo, ter a importância de um 25 de Dezembro ou de uma outra data similar.

É uma celebração que visa, como o 25 de Dezembro em Moçambique (e noutros países), destacar a importância da família (núcleo vital da sociedade) e sua relevância na educação infantil; pretende reforçar a mensagem de união, amor, respeito e compreensão como trampolim para o bom relacionamento familiar, entre outros aspectos.

Ela remete-nos a alguns aspectos importantes da nossa Constituição da República (CR) como é o caso do Artigo 119, atinente à família. Por exemplo, quando a CR diz que a ”família é o elemento fundamental e a base de toda a sociedade” focaliza a primazia da família como núcleo de toda a sociedade.

A cultura, os hábitos e costumes, as ambições, o desejo de auto-superação, e muitos mais, estão sempre presentes naquilo que é a família, seja ela nuclear ou não. Entretanto, a família vive numa série de condicionalismos que afectam os seus direitos e deveres. Isto é mais sintomático onde o défice de democracia se acentua a cada dia que passa, por imperativos dos impactos da dinâmica económica e até mesmo político-militar. A má distribuição da riqueza nacional de um país afecta negativamente no reforço do bom relacionamento entre as famílias.

As migrações que hoje se assistem em África, tendo como ponto de partida as áreas ou zonas inseguras para outras mais seguras, trazem consigo consequências de vária índole no seio da família. Por exemplo, Moçambique tem recebido um significativo grosso de imigrantes provenientes, sobretudo, da região dos grandes lagos africanos. Como era de esperar, esta situação tem resultado numa miscigenação racial e cultural. Uma fusão que, só por si, é geradora de um mal-estar, em grande medida, nas famílias ditas conservadoras. Os casamentos (dos mais vaiados tipos) tomam aí a dianteira, ficando uma espécie de repúdio pelo facto de as nossas irmãs, filhas, primas, etc., aceitarem tal facto. Como se fosse algo incorrecto. Reprovável. Tal e qual a reacção derivada, por exemplo, do casamento de um branco com uma preta (digo negra), na época dos Ku-Klux-klan na América ou do apartheid na África do Sul. Felizmente, a família como núcleo vital da sociedade, vive num mundo crescentemente globalizado; a aldeia global interioriza-se na consciência desse núcleo. O sentido contrário também é válido.

Cá entre nós: o dia internacional da família deve ser elevado à importância que ela própria deve deter para se poder refletir abertamente sobre o impacto das diferenças políticas, ideológicas, financeiras, raciais, entre outras, no seio das famílias, tanto em termos de criação, reestruturação, enfraquecimento e de recriação.

 


 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

Consciência de uma África unida.

A consciência da existência de uma África unida, por parte dos africanos, é ainda um ideal a atingir. Mais rapidamente se percebe que essa consciência tem sido retardada por uma série de factores. Das cúpulas governativas emerge um discurso viável e congregador para essa mesma elite: o da existência de uma África unida. É um discurso, de convicção duvidosa, que começa e termina no topo do poder. Embora repetitivo torna-se efémero e inconsistente. Serve mais para assinalar ou adequá-lo a uma data comemorativa como, por exemplo, o dia de África (25 de Maio).

A consciência de uma África unida não passa simplesmente pela existência de uma “União Africana”, como instituição defensora e promotora da unidade e solidariedade entre os africanos. Passa também, pela adopção de modelos de desenvolvimento que sejam inclusivos e tenham, à partida, uma concepção e ascendência maioritariamente endógenas. Esses modelos constituem-se como um forte Calcanhar de Aquiles, na medida em que as características da pobreza, em termos gerais, condicionam o comportamento das elites africanas, no poder, na produção de uma agenda nacional que contrarie de modo sustentável o forte e seguro avanço do considerado “neocolonialismo”.

A “fúria” dos monopólios, tal e qual a águia que se apropria de tudo o que lhe interessa e leva para o seu ninho, não será facilmente contida a curto e médio prazos. A ideologia economicista, nutrida por governantes esfarrapados de patriotismo, servirá simplesmente para engrandecer o poderio financeiro, económico e diplomático dessa mesma águia. Induz-nos isto a perceber que não são os pessimistas e nem os optimistas, e muito menos os alarmistas, os que alterarão o padrão menos recomendável de governação em muitos países africanos. É que, na maior parte dos países africanos, esses académicos não são bem vistos, são um incómodo para os sistemas governativos corruptos, retardam a “formação de uma burguesia” à moda africana, simplesmente não são ouvidos.

Os governantes no poder falam em equidade na distribuição de riqueza nacional e os académicos insistem na redistribuição. O povos acompanham o debate com o estómago a rugir de fome e uma lágrima de esperança a descer pela face. Ainda há esperança de um dia os olhos se abrirem.

Cá entre nós: consciência da existência de uma África unida tem barreiras por vencer. Os vários impactos dos conflitos político-militares fortificam mais os aspectos de desunião que de união.

As aparências de uma África unida são de necessária valorização nos discursos políticos para que, paulatinamente, os africanos se sintam africanos do ponto de vista político. Mais do que isso, espera-se que alcancem ou sejam bafejados pelos benefícios da unidade e solidariedade entre os povos.

 

 


 

 

 

Saco Azul

 

Por: Luís Guevane

 

É possível mudar!

 

Durante as últimas décadas ficamos numa situação semelhante a do criador que tem muitas cabeças de gado mas que, entretanto, tem graves problemas de alimentação, sobretudo no que respeita ao consumo de proteína animal. Os filhos, com o tempo, não se “desabituaram” em andar esfarrapados, desnutridos, com fraco aproveitamento escolar, e nem revolucionaram o seu vício no trabalho com o gado e com a enxada de cabo curto; continuaram a trabalhar a terra e a cuidar dos animais tal e qual a geração dos seus trisavôs.

 

Foram décadas de conflito entre compatriotas que julgavam os seus objectivos como os mais justos, os mais infalíveis e perfeitamente nobres para desenvolver este Moçambique de moçambicanos. Nessa tentativa, cada um deles tentou situar-se no topo do protagonismo político e, paulatinamente, no comando económico. Muitos tornaram-se corruptos por força dos corruptores e transformaram-se em tubarões na praça económica dispostos a fortalecer-se com a proteína dos pequenos cardumes económico-financeiros onde fluem os famosos sete milhões.

 

Semelhante ao comportamento do criador de gado acima referido, estamos hoje a despertar sem, no entanto, percebermos que é de toda a importância que comecemos a abrir os olhos. Podemos até, em primeiro lugar, esfrega-los. Mas, é necessário abrimo-los. De nada vale congratularmo-nos com o enorme potencial em recursos naturais de que o país dispõe quando, na realidade, não conseguimos usufruir deles.

 

O problema não tem que ser a filosofia “coma e deixe-os comer”. A terra, os recursos hídricos, florestais e minerais, associados ao factor “inteligência” não podem deixar o moçambicano a morrer de fome ou a viver abaixo de um dólar/dia. Um, dois ou três dólares… Essa química de “inteligência” e “exploração dos recursos naturais” não pode continuar a produzir uma educação “senta-baixo” e desqualificadora, não pode continuar a ser produtora de fumo negro nas relações entre moçambicanos, não pode continuar a ser o “diabo” dos nossos maus resultados na agricultura, no desporto, etc.

 

Ainda é possível perceber que, provavelmente, o nosso poderoso criador de gado não estivesse interessado em dar nas vistas para não engordar os olhos do vizinho. Queria, sozinho, engordar os seus olhos com a riqueza que possuía sem se preocupar com o sofrimento da sua própria família. Esta podia até sofrer, mas que estivesse ali ao seu lado.

 

As nossas areias pesadas (“nossas” é modo de dizer), o nosso mármore, a grafite, os diamantes, o ouro,… o nosso gás natural (abundante em mais de centena e meia de triliões de pés cúbicos), o carvão (abundante em duas dezenas de biliões de toneladas métricas), entre outros, devem iluminar as nossas mentes de modo a não produzirmos conflitos armados nem avalanches sociais e, muito menos, elefantes brancos.

 

Cá entre nós: há muitos “Moçambiques”, é verdade, mas é possível fazer com ele seja verdadeiramente uno e indivisível. Tudo depende do moçambicano. É importante envolver o moçambicano no desenvolvimento do seu próprio país. Dar oportunidade para, por exemplo, também debruçar-se, sobre a identificação de projectos prioritários, não prioritários e os de baixo rendimento em termos de direccionamento de investimentos. È possível.

 


 

 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Discurso reconciliatório: precisa-se!

Todos os dias compramos jornais e revistas, acompanhamos a abertura e o fecho de telejornais nos vários canais nacionais, procuramos coincidir o nosso quotidiano laboral com os noticiários emitidos pelas rádios, esforçamo-nos em actualizar as nossas conversas, …fazemos tudo isso e muito mais em busca de notícias e/ou informações que nos inspirem na promoção da reconciliação entre compatriotas. O que é que, de facto, nos é dado a consumir: produtos jornalísticos construtores de reconciliação ou de exacerbação de um marketing conducente à promoção de ódios entre moçambicanos? O ideal seria a primeira opção.

O aumento da demanda relativamente a notícias promotoras de paz parece não encontrar a respectiva oferta por parte da imprensa, no seu todo. O preço da paz entre moçambicanos está no diálogo. Nesta ordem de ideias, para minimizar o erro de generalizações, diria que a imprensa pública, por razões óbvias, tem um papel acrescido, ainda que não exclusivo, em posicionar-se na dianteira desse processo. Cabe-lhe a promoção e protecção consciente, imparcial e desinibida da paz que promova o desenvolvimento e não daquela que produza um efeito contrário.

Procurar a paz e não estar interessado nela pode explicar, aliás, explica claramente a razão dos sucessivos falhanços nas variadíssimas rondas negociais (estas, na sua acepção mais antónima do termo). De que paz é que se falou nessas “rondas”: da mesma paz que aos eleitores preocupa ou daquela que enervava os “negociadores”? Como a imprensa interpretou a serena monotonia dos sucessivos impasses? Daquilo que se abordou em termos de vontade de se dialogar o que é que se cumpriu? Ficou-se pela intenção. Agora que o cheiro à pólvora começa a ser uma certeza nacional ficam as saudades pelos impasses. Mil vezes estes do que uma situação de guerra.

Todos os dias compramos e consumimos o produto gerado pela imprensa pública e privada no sentido de encontrar alguma luz, alguma paz de espírito, alguma verdade que não tenha pés de barro, …alguma prática de reconciliação que promova e/ou inspire o entendimento entre moçambicanos e que, por essa via, evite a morte de moçambicanos sem direito a fotografia nas “páginas necrológicas” dos jornais, morte sem direito a uma salva de canhões, sem direito à nossa bandeira a cobrir as suas urnas. Tudo porque priorizou-se o impasse como principal bandeira.

A imprensa pública e privada, de acordo com a postura defendida, encontra nessa bandeira as rimas que a ajudam a definir o jornalismo do ponto de vista de imparcialidade, isenção, relação custo-benefício, etc. Escolher entre informar e desinformar (ou não informar) pode-se constituir num dilema para um determinado tipo de imprensa ainda não completamente comprometida com a racional necessidade de promoção intencional da paz em Moçambique. É crucial que os “jornalistas” dessa mesma imprensa se transformem, de facto, em jornalistas e percebam a urgência dessa mudança.

Cá entre nós: o papel da imprensa, no seu todo, num país tenso como o nosso deve ser, inequivocamente, o de promoção de paz. O discurso reconciliatório, avantajado pelo código de ética jornalística, precisa de maior espaço, maior visibilidade, maior ganho de musculatura contra os fortes tentáculos da censura (seja esta explícita ou não).

 


 

 

 

 Saco Azul

Por: Luís Guevane

Os próximos tempos dirão

A ideia segundo a qual a solução de um problema nacional está com os próprios nacionais é válida. Quer dizer, a solução dos problemas político-militares e democráticos na Síria está com os sírios; a solução dos mesmos problemas no caso do Madagáscar, República Democrática do Congo (RDC) e outros países está com os nacionais desses mesmos países. O que se depreende nesses casos é que o peso significativo e claramente determinante não tem sido interno. O pacote externo tem condicionado o formato da solução interna. Nessa sequência, os telejornais abrem (ou abrirão) dando conta do entendimento entre os nacionais de um determinado país. Só eles podiam ultrapassar as suas diferenças.

No caso de Moçambique, está claro, por enquanto, que ainda vamos a tempo de resolver as nossas diferenças internas (em termos ideológicos, políticos, económicos…). Entretanto, quanto mais o tempo passa mais apreensivo vai ficando o cidadão; mais dúvidas vão surgindo relativamente à nossa capacidade e comprometimento na resolução do problema que tem vindo a reunir as partes no “Centro de Conferência Rondas Negociais”, aliás, “Joaquim Chissano”.

Os desafios são vários. Um deles é a promessa da Renamo de boicotar o decurso normal das eleições. A que eleições se têm referido: às autárquicas ou às gerais e legislativas? Os próximos tempos responderão. Este boicote, a acontecer, acarretará uma série de consequências, entre elas a elevação repentina da mortalidade, o incumprimento do processo democrático derivado de intolerância política, desperdício de fundos financeiros, traumatismos político-ideológicos, etc.

A acompanhar o desafio atrás referido está um outro: a confirmação de que a criação de instabilidade político-militar no país visa a manutenção do actual quadro de gestão governativa. Não ocorrem eleições, o governo mantem-se arrastando-se até à altura em que se verifique uma situação de relativa acalmia ou de aceitável estabilidade político-militar. Nessa altura volta-se às rondas negociais e começa-se a contar a partir de UM. Julgo que esta hipótese só é válida como hipótese. Mas, como nada é impossível, só o tempo dirá.

Cá entre nós: os próximos tempos também dirão se o eleitorado vai participar massivamente ou não, tendo em conta que as condições político-militares não são das melhores. Como será participar nas eleições com polícias por todos os lados e as notícias a fazerem referência ao conteúdo mais profundo de instabilidade militar? Será, então, um ambiente psicológico de coercividade eleitoral, numa paisagem antidemocrática, medonha,…mas sobretudo um momento de exaltação da disciplina partidária. Os próximos tempos dirão claramente se houve vontade política na resolução ou na busca de uma solução exequível para a acomodação da paz político-militar, paz económico-financeira, paz psicológica; dirão se a solução derivou da vontade interna ou de pressões externas. Peace!

 


Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Ficar a “ver navios”?

Se, por um lado, reclamamos os elevados custos do uso de helicópteros nas presidências abertas, por outro, percebemos que, ao invés de alugá-los “no vizinho”, precisamos deles como propriedade nossa, propriedade do Estado, esse ser abstracto de duas faces. Os “helis” fazem falta ao prestígio que procuramos para enrobustecer a nossa tão propalada auto-estima. E não é mau que se façam contas comparando os valores gastos em “helis” nas “abertas” e os custos parciais e totais na construção ou no apetrechamento de escolas, postos de saúde ou outro tipo de infra-estrutura social. É legítimo que se questionem esses aspectos num País pobre como o nosso comprometido com o despontar da democracia. A globalização é tão forte que põe os decisores preocupados em imitar as “abertas” de países melhores posicionados economicamente no ranking mundial relativamente ao nosso. Sim, precisamos de helicópteros! Mas, o cidadão não pode ficar a “ver navios”!

Quando se discute emotivamente sobre a pertinência da ponte Maputo-Catembe comparativamente ao direccionamento dos correspondentes recursos financeiros na resolução de muitos dos velhos problemas sociais e infraestrurais, está-se a exercer a moçambicanidade, está-se a contribuir para um crescente aprofundar da democracia em nascimento. Como escolher o melhor caminho que eleve rapidamente o nosso desenvolvimento? Qual a melhor maneira de ter o nosso navio a navegar no mar do desenvolvimento global? Esperar que a maré chegue até nós ou irmos ao encontro dela? Que relação habitual se tem desenvolvido entre o navio e o mar? Quais os custos de cada escolha? É preciso agir com ponderação. Está claro que o debate não pretende “proibir” a construção da ponte. Sim, precisamos de pontes, “circulares”, grandes rodovias, híper auto-estradas, aeródromos modernos e sofisticados, e muito mais. Mas, não se pode condenar o cidadão a ficar a “ver navios”.

Gastar 300 milhões de Euros na compra de 30 navios para garantir o patrulhamento e atum é um novo e interessante debate num País pobre como o nosso. É negócio limpo, sujo, jogo de final de mandato, “cisnemania política”, …o que é? Não vamos proteger a costa e capturar atum com 30 navios para depois o povo ficar a “ver navios”! Os que não comem produzem os que não dormem.

Cá entre nós: por hipótese, pode-se dizer que quem tem 300 milhões de Euros tem muito mais para que o seu povo não fique a “ver navios”. Pode ser que tenhamos acumulado bastante nos tempos em que cantávamos que o Estado moçambicano não tinha dinheiro. Continua não tendo. Porém, muito mais do que tentar construir uma hipótese sobre “dinheiros” vale a pena comungar e reafirmar que o segredo é a alma do negócio. Ainda assim, os “donos do dinheiro” - os que não comem - não podem viver condenados a ficar a “ver navios”.

 


Saco Azul

Por: Luís Guevane

Crime de corrupção.

Enquanto em Moçambique a cúpula vai dizendo que a corrupção está longe de ser combatida, noutros cantos do mundo, como por exemplo na China, as autoridades mostram claramente que estão comprometidas em combater esse crime. Internacionalmente vai passando a notícia fresquinha do ex-dirigente chinês condenado à prisão perpétua. Quanto desperdício intelectual nas malhas da justiça! É que o corrupto pensa de forma bastante elaborada. Avalia os riscos da operação pretendida e o grau de abertura dos olhos das autoridades. Envolve no seu esquema o maior número de pseudo-corruptos para desfocar, desvirtuar e baralhar as investigações. Põe a ressonar essas mesmas autoridades valendo-se do poder do dinheiro e do “código do silêncio.” Quando a porca se mexe, o corrupto faz um estudo minucioso para perceber se o animal tende a acordar ou se está, na melhor das hipóteses, simplesmente a mudar de posição para novos ressonares. Na China, pelo que internacionalmente nos é dado a conhecer, as autoridades não estão a ressonar. Os porquinhos não estão a mamar, aliás, os proeminentes que abraçam a corrupção têm estado a ser desmamados.

O ex-dirigente do Partido Comunista Chinês (PCP), Bo Xilai, proeminente político popular de 64 anos, ganhou a perpétua pela sua notabilidade no mundo da corrupção, no desvio de fundos e no abuso de poder. Segundo se sabe, foi acusado de ter embolsado, em subornos, mais de 2.6 milhões de Euros, o equivalente a cerca de 3.5 milhões de Dólares. Dos fundos públicos mamou que se fartou. Mas, o bom do Bo Xilai é que ele até era carismático e ambicioso no “bom sentido”. Vejam só: quando tomou a direcção de Chongqing, uma imensa metrópole chinesa, conseguiu transformá-la num polo económico de peso. Reprimiu as máfias, culminando com cerca de cinco mil prisões. Este passado, e nem mesmo o facto de ter sido estrela no seu “partidão”, não impressionou a justiça chinesa que até lhe confiscou todos os seus bens.

Deste lado do Índico, onde se diz que no primeiro semestre de 2013 foram tramitados cerca de 395 processos-crime de corrupção, “para boi dormir” e para a porca continuar a ressonar, descobriu-se e anunciou-se publicamente que as palestras com funcionários públicos (e outros cidadãos) não combatem a corrupção. Quem de direito continua a falar em medidas punitivas severas contra os prevaricadores que se profissionalizaram na delapidação do dinheiro do Estado e que conhecem de cor e salteado os discursos anticorrupção. As palestras são parte importante do processo que nos pode levar à acção no combate ao crime de corrupção. Deveriam focalizar um universo cada vez maior e ser um acto relativamente permanente. Dizer que elas não combatem o fenómeno é sedimentar o “código do silêncio” nas mentes dos que buscam liberdade e autonomia nesse mesmo processo de combate.

Cá entre nós: quantos Bo Xilai temos em Moçambique? Nenhum. Os nossos Bo Xilai têm nomes próprios e o cidadão conhece-os. Mas este é vítima da escravidão do “código do silêncio”! Quanta autoridade e quanto comprometimento saudáveis existem no combate ao crime de corrupção? Quantos entre os avantajados não ganharam notoriedade no mundo da corrupção, no desvio de fundos e no abuso de poder? Quem desmama a quem? Iniciar a pesquisa…

 


Saco Azul

Por: Luís Guevane

Crédito de mudança.

Moçambique está mesmo em mudança. O conforto monopartidário foi subtituido por desafios inerentes a um novo momento político – o pluripartidário. Um momento acompanhado pela “natural” resistência da página político-social anterior.

Exigir o respeito pela Constituição da República é saudável para a democracia. Não é preciso recorrer aos métodos salazaristas do Estado Novo que condicionavam, controlavam ou eliminavam as manifestações de opinião, embora haja muita vontade por parte daqueles que têm a PIDE como modelo a seguir. Diga-se de passagem que muitos destes indivíduos até lutaram contra a ditadura salazarista. Não é preciso recorrer a tais métodos porque Moçambique assume-se, nos tempos que correm, como um Estado de Direito.

As críticas chovem por parte de cidadãos que não conseguem continuar a digerir o actual “estado da nação”. Os que digerem sabem como usar o seu interminável crédito de crítica contra o actual cenário social e económico, em fórum insuspeito e seguro; longe dos olhos e ouvidos do poder.  Até Ban Ki Moon passou por cá e insurgiu-se contra o estado do nosso analfabetismo. A alfabetização e educação de jovens e adultos precisam de uma reforma “total e completa”. Que o digam os que estão nessa área.

O crédito de crítica parece não ter fim a curto e médio prazos. As soluções tardam. O crédito fortalece-se. A arrogância não tem sido acarinhada por parte do maravilhoso povo moçambicano. Até atira-se ao ar o seguinte: será que é difícil governar sem exibir a bandeira da arrogância? Com um sorriso pode-se responder: de alguma forma somos todos arrogantes; no nosso olhar, no nosso sorrir, nos nossos escritos, na nossa leitura, no acto de amar, correr, viver, etc.

Mas, o maravilhoso povo moçambicano sabe por que razão chama aos seus dirigentes de arrogantes. Quantas famílias ligadas directamente aos funcionários do estado não questionam a actual governação? Tanto aquelas que têm os seus membros a prestarem serviços na “Educação”, “Saúde”, no “Interior”, bem como aquelas que têm os seus nos ministérios maravilhosamente acarinhados pelo governo do dia.

O crédito de aplauso ao “Arroz”, por parte de uma série de indivíduos, a avaliar pelo debate na “STV”, no dia 21 de Maio, é bastante representativo. Elucida o elevado apetite que o cidadão tem de mudança para um País melhor, porque é possível desde que se melhore a transparência na gestão da coisa pública. A inequidade está entalada na garganta do maravilhoso povo moçambicano. Mesmo assim, com a heroicidade que lhe é característica, consegue criar espaço para deixar passar o seu desagrado, exprimindo o que lhe vai na alma; consegue, à sua maneira, abafar esse sofrimento na sua luta passiva e/ou activa.

Cá entre nós: não é nada difícil governar num dos países mais pobres do mundo onde o Povo é maravilhoso. O problema, muita das vezes, está na qualidade do motor escolhido para pôr a Arca a funcionar, está na qualidade de governação e tipo de inteligência usada por quem de direito para que todos sejam incluídos nessa mesma Arca.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

Saco Azul

Por: Luís Guevane

 

Candidato, precisa-se

Finalmente começou a dança dos pré-candidatos do partido no poder. Todos eles dançam em torno de uma cadeira ainda ao nível do partido. Quando a música de repente parar veremos quem se sentará nessa cadeira para se poder passar ao desafio seguinte que será a verdadeira dança em torno da cadeira do poder.

Foram lançados três pré-candidatos actualmente em funções. A análise que deles se faz parece ter, essencialmente, duas perspectivas muito claras, sendo (provavelmente) uma delas mais verdadeira que outra.

Quer dizer: há uma corrente nitidamente contrária e revoltada com as escolhas feitas. A razão do seu sentimento de revolta prende-se com o facto de nenhum dos três ter mostrado capacidade de resolução de problemas que lhes serviram de puro desafio no exercício do poder que lhes foi investido. Quem deveria ter resolvido o problema dos médicos não o fez de acordo com as expectativas. Quem deveria dar mostras de capacidade de resolução pacífica do conflito político-militar permitiu que o mesmo descambasse numa elevação da mortalidade daí gerada. Quem deveria ter mostrado inteligência, integridade, flexibilidade, diplomacia, humildade e etc. para que em tempo útil trouxesse resultados plausíveis e desejáveis derivados do exercício político no Centro de Conferências “Joaquim Chissano”, simplesmente, com a sua postura, durante um ano, não foi capaz de contribuir na eliminação da mortalidade atrás referida. Claudicou completamente (se imputarmos as maiores culpas nele). Estes e outros aspectos desabonam claramente cada um dos três pré-candidatos responsáveis por essas situações. Ficou-se mais pela arrogância. Quem assim os analisa parece ser uma grande maioria do eleitorado. Vaticinam uma derrota eleitoral a manter-se a ideia de que o candidato sairá de um dos três já propostos ainda que o factor financeiro jogue o seu forte papel (praticamente decisivo) na mobilização do eleitorado.  

A segunda perspectiva corresponde àquela que tenta arrastar para si o facto de tecnicamente cada um dos três estar em condições de, numa situação de vitória eleitoral, poder dirigir com sucesso os destinos do país. Bons tecnocratas, mas fora daquilo que é a realidade histórica reservada para estes casos. Cada um dos três representa a vontade dos militantes do partido a que pertencem e não há motivos para que a escolha não recaia nestes presidenciáveis cujo perfil fora antes apreciado.

Tanto a primeira como a segunda perspectiva tem a ver com quem os analisa. Em função disso percebe-se como os três pré-candidatos estão sendo analisados: para descartá-los ou para mantê-los. Na primeira perspectiva sente-se o peso do simpatizante, do anónimo, de alguma ala de membros, enfim, do cidadão comum. Na segunda, nota-se claramente, a preocupação de alguns membros do partido a que pertencem os três pré-candidatos em elevar a imagem destes, tentando fazer passar a ideia de mácula zero. Aliás, o momento é mesmo de os verdadeiros correligionários apoiá-los e não de se apresentar em público a ficha completa de cada um dos visados. Se nenhum deles tiver a ficha limpa servirá aquele que a tiver menos suja.

 Cá entre nós: qual das perspectivas apresentadas é mais verdadeira e/ou se aproxima da realidade se se tomar em conta a vontade do eleitorado? Logo surge uma pergunta: vontade de que eleitorado? Aquele que vota ou aquele que não vota no partido dos três pré-candidatos? A quem interessa que um dos três passe a ser candidato desse partido nas próximas eleições? Qual deles, de momento, tem perfil ganhador e carisma suficiente para aglutinar as alas e embebedar euforicamente o eleitorado pretendido?

 




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